vendredi, mars 29, 2013

sobre a chuva

chove
farra de mosquitos brincando em meu quarto
refugiados de uma guerra aquática e de ventos desvairados
lá fora
e aqui desse lado da janela
tudo borra-se como um transformador de matéria esponjosa
embaça a visão
e meus 70% de água confundem-se
em milímetros de escassez ou profusão de sentimentos 
o nítido torna-se vago
o corpo, lasso
tento respirar aqui de meu escafandro

minha pele desfaz-se
com as gotas que nada aspiram
além
de
cair
como se ordem suprema as ordenasse
que chover nas plantas
ou furar o bloqueio do vidro
missão de vida ou morte fosse

de qualquer suma importância
acho graça
do canto da boca, um traço
a chuva intermitente me faz contente
acolhido, aprecio
e, talvez, quem sabe
ganhe o embate.

jeudi, mars 07, 2013

metades

metade de mim é um erro
a outra metade, um talvez
metade de mim celebra vitórias
a outra metade é puro escárnio
metade de mim não entende de pássaros
a outra é um curió
metade de mim peca a cada instante
a outra reza uma reza íntima e estranha
metade de mim quer o que expressa
a outra são atos tresloucados

metade de mim tem ganas de vencer
a outra só quer doses cavalares de sossego
metade de mim anseia dias claros
a outra não sabe o que claridão significa
metade de mim, abusada, triplifica sentimentos
a outra, com medo de sofrer, esconde-os
furtivamente
embaixo do tapete

metade de mim ergue bandeiras ao ar
a outra metade sossega o vento com os olhos
metade de mim ergue monumentos sentimentais
a outra estilhaça coração como vidro
metade de mim faz canoas com árvores
a outra são as próprias raízes no chão
metade de mim,
com ambição,
mira a Lua
a outra,
satisfeita,
apenas flutua.

jeudi, février 14, 2013

a partida


dois corpos deitados na cama
são corpos, meros corpos, matéria prima
imersos em bacia de tempo fugidio
carne fértil e infértil
de sangue, lágrimas, músculos, rugas
dois corpos que se
estendem, desentendem
distendem, entendem
o corpo masculino vive o jogador de futebol
a glória pátria aguerrida, solfejada em gritos e vibrações
que abafam sua derrota extracampo, aquela palpável
sem apitos e gritos pelo seu nome
a vida seca, dura, onde o pé no chão alcança o frio mármore, apenas
ou naquele filme
onde nunca o galante mocinho perde seu chapéu
e tem a coragem como seu mais precioso bem em invólucro
em seu peito palpitante
e sempre prestes a agarrar a mocinha mais bonita
frágil e indefesa, como deve ser
não há barrigas salientes nem calvície precoce nem frieira no pé
muito menos chulé
ouro não falta, tudo é possível no jardim do outro
e na tela que não esta cá
o bom homem estica-se na poltrona e regozija-se
o corpo feminino nada disso entende, prefere observar
as plantas, a joaninha de óculos e perneta, oscilando pra cá e pra lá
no jardim japonês da casa
sonha com dias melhores, com amores proibidos
e com uma certa história de dois amantes embriagados de veneno
olha para o horizonte pela janela e busca uma visão
mais tenra, menos acinzentada
menos correntes mais asas
e os dois corpos vão
meio sem saber o porquê nem como nem onde nem quando
é gol, o chapéu se manteve intacto, a joaninha quase foi devorada por um percevejo faminto,
mas ela escapou
coitada coitado
a cortina se mexeu
(brisa brisa, que brios novos te trazem?)
o retrato das bodas pregado na parede também. o retrato balançou.
enquanto isso um ponto preto qualquer corta a parede branca descascada da casa como quem nada quer e daí?
e realmente, talvez ele nada queira
ao mesmo tempo que abre uma cerveja
o homem assiste tevê
enquanto ela faz a mala.

lundi, janvier 21, 2013

ao redor dessa esfera


ao redor dessa esfera
todos são culpados
culpados pelo carinho
pelo maltrato
pelo gozo
pelo soluço
pela leve pena que cai no chão do Japão
e que talvez consiga brutalmente mover
um duro coração aqui.

ao redor dessa esfera
todos são culpados
inequivocamente
pelo levar de mãos dadas
pelo rompimento de laços
que molha rostos, blusas
e entope narizes
milhões deles
a cada milisegundo nessa bola tonta e torta.


ao redor dessa esfera
todos são culpados
todos mentem, desdizem, maldizem, bendizem
sem meio saber o porquê ou por quem
ou aonde isso tudo vai levar
ou quem vão levar
quando o diabo apertar.

ao redor dessa esfera
meio que perdidos
corpos bamboleiam, em cadência trôpega
de cá pra lá, de lá pra cá
entre salas, quartos, obrigações, deveres, consultas médicas
salas de espera, filas de banco, festas
e mais festas, e mais algumas meias de presente.

ao redor dessa esfera
de braços de um para braços de outro e outro
anseiam no íntimo que cada colo, desta vez. desta vez.
será seu colo.
à espera de uma pessoa ou de um mistério
uma caixa com um laço, um pássaro, um toque na costela
um mísero cântico gregoriano de manhã dominical
que faça apaziguar
certas ressacas íntimas,
e que incertezas transformem-se em edredom
em noite fria,
e que  o sono possa ser o mais quieto de todos
nadando nas profundezas de Morfeu
tão próximo da morte
que acordar e respirar será uma dádiva
em dia ensolarado
de vento infantil
e mar de brigadeiro.

jeudi, novembre 22, 2012

a incursão


a porta aberta
o forte acre cheiro da noite
meia luz entrelaçada com finos traços de poeira
nos ralos das raras ruelas
ainda parcialmente acesas
encobertas de mistérios de cobre
cobrem o corpo na noite
e de pé, mira pela fresta da porta,
a porta aberta à frente,
ela

tem medo de algo, do corredor comprido
de-não-sei-o-que-mais com pelos, unhas gigantes e garras
a geladeira é alvo quase militar
e seu estômago se revira e sofre bombardeios
como se 2ª Guerra Mundial fosse
o que fazer se os outros soldados do alojamento dormem
e a escolta é mero devaneio embalado na madrugada?
existe a gana e só ela
mas existem também sombras, cortinas
se mexendo em rodopios, danças de objetos parcialmente a mostra
manchados e com estampas de flores

o caminho longo é suplício
de areia, pedra, ventania
assobios e silvos, o abajour sussurra
a velocidade de caramujo
com que os segundos da noite ostentam e transcorrem
marcam os passos pé ante pé
da heroína solitária da madrugada sedenta

e nessa injeção de coragem
vai, vagarosa vagando, ora veementemente
por vãos reticentes e o papel de parede se descolando
não ajuda o pouso de suas mãos pequeninas
e analisando o perigo iminente, continua
olhos arregalados, ouvidos mais atento que cães de caça
mãos geladas, pés em atrito com o incômodo chão espinhoso
ela vai vai e vai
e chega

abre a porta
de supetão
a luz gritante na cara
uma lufada de vento frio frontal lhe eriça os pelos do braço
alguns cheiros adentram suas narinas
de variadas cores, nomes, formas
alguns
ferem seus olhos de forma gritante
e apenas um copo d´água
no fim das contas
lhe confere o conforto orgulhoso e penitente
da condecoração emblemática no peito do pijama de pequenos corações
pela coragem e bravura em campo
daí
em um gole
a água sorvida por completo
e um sutil sorriso estampado no rosto
surgem-lhe forças desconhecidas
de locais indubitavelmente inóspitos
para comandar o vitorioso batalhão de uma só
de volta à sua cama.

dimanche, octobre 14, 2012

1+1


dois
é
par
e é para tudo
mais convencer
que
a dupla 
se junta e
conjunta 
apara
a dor



dois
nem se compara
ao comparecer
com parecer , aparador e juntas
para
adormecer
e
com
vencer
e
a dor me ser
tudo menos dor.

lundi, septembre 03, 2012

small hours

adormece em meu peito,
pequena delirante
mente e cria em seus sentidos
tortos
chama, chama febril
por um triz, um risco, um fato
um sonho que não vem
a mão que não a persegue
nem nunca há de perseguir
excesso ou falta
não se sabe
estendo um leito, unguento, água
desnecessário
tudo desnecessário
e como se fosse gritar
com sua voz muda mais muda que há
arrasta o lençol
e na guerra consigo mesmo
arranca as roupas fora
emudece ainda mais o silêncio hostil
do quarto
estica-se até ganhar uns centímetros
de orvalho
e entrega-se
sem dó
sem olvidar
finalmente
do sono
e
do ar que é seu
e aquiesceu.